quinta-feira, 21 de maio de 2009

Acima de tudo; sou brasileiro!

A discussão sobre cotas raciais e reserva de vagas nas universidades públicas do país é um tema que provoca muita polêmica na sociedade brasileira. Como todo tema polêmico envolveria muita discussão não só ideológica, mas também cientifica e de cunho jurídico-institucional, assim como é a discussão sobre a descriminalização do Aborto e os estudos e pesquisas com células-tronco embrionárias. Embora a discussão sobre as ações afirmativas estejam bastante avançadas na comissão de educação do Senado, parece existir quase um consenso em aprová-las “a toque de caixa” as tão polêmicas cotas raciais e sociais nas universidades públicas brasileiras, como se todas as questões e desdobramentos dessas medidas já estivessem sido amplamente discutidas pela sociedade. Por quê? Aproveitando esse espaço aberto para discussão de temas que envolvem o mundo estudantil e acadêmico, quero aqui levantar algumas questões que não costumo ouvir nos discursos nem de quem é contra as cotas e principalmente de quem deseja vê-las aprovadas no Congresso Nacional.
Primeira questão a ser levantada: Quem é afro-descendente no Brasil? Essa questão que parece ser tão simples de ser respondida, se observada com maior cuidado se torna tão complexa que exige nessa discussão uma interdisplinariedade científica envolvendo matérias como genética e biologia, até agora excluídas e ocultadas por muitos dos grupos que discutem as políticas afirmativas no Brasil. Se pegarmos a discussão historiográfica tanto de Caio Prado Junior quanto de Sergio Buarque de Holanda ambos irão deixar bem claro que somos o resultado de uma enorme mistura, o que chamamos de miscigenação. Essa mistura racial não vem só do cruzamento genético (me desculpe o termo, mas envolve as ciências biológicas), também temos um fenômeno muito peculiar advindo dessa junção de raças, o sincretismo religioso, a readaptação e reinterpretação de tradições e festas culturais e a construção de valores e conceitos éticos e morais em nossa sociedade. Daí surgem às seguintes problemáticas a respeito da definição de afro-descendente que para mim inviabilizam a adoção de um critério racial no Brasil para qualquer processo seletivo público ou privado: Como identificar um afro-descendente? Pela cor da pele? Pelo formato do crânio e feições faciais? Pelo DNA? Pelos valores culturais e familiares que cada indivíduo acumula ao longo da vida? Ou será que continuará sendo pela auto-afirmação? Agora se a auto-afirmação é adotada, pode uma instituição ou uma lei determinar se aquilo que auto-afirmei está errado?
Segunda questão a ser levantada: O problema está mesmo na universidade brasileira? Essa é outra questão difícil, pois parece existir um consenso a respeito do assunto, mas o assunto inevitavelmente é deixado de lado quando se discute as ações afirmativas. Aonde o aluno da escola pública e, sobretudo o aluno afro-descendente é excluído do ensino superior público brasileiro? Como professor de ensino regular tanto na rede pública quanto na privada, falo com toda certeza, ele é excluído desde a PRIMEIRA SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL! Desafio qualquer um que tiver o prazer ou desprazer de ler esse texto a me acompanhar em uma escola pública e verificaremos com raras exceções a situação caótica da rede pública de ensino no Brasil. Não vou aqui enumerar os problemas que todos nós já sabemos e estamos saturados de ouvir, como valorização e qualificação dos professores e melhorias nas estruturas educacionais, que devo admitir tivemos modestos, mas significativos avanços nesses últimos anos. Vou aqui mexer com algo mais polêmico do que as próprias cotas sociais e raciais, temas de nossa discussão, pergunto: Será que o projeto humanista, vygotskiano e piagetiano, já não faliram? Será que estão empurrando a culpa para universidade para não ter que admitir 20 anos, no mínimo, de uma ideologia metodológica que produziu mais analfabetos funcionais e índices para os governos federal e estaduais do que pessoas capazes de serem cidadãos e não súditos? Já temos teóricos tupiniquins que apontaram com brilhantismo possíveis maneiras de eliminarmos parte desse problema. A professora Guiomar Namo de Mello demonstrou que na fase mais importante da educação de um ser humano temos os piores salários e a formação mais precária (educação infantil) nada contra a existência das “tias”, mas como professor, digo com toda certeza; é muito mais complicado ensinar uma criança do que um adolescente já habituado com a estrutura educacional vigente. Essa pirâmide que supervaloriza o ensino superior e menospreza o ensino básico e infantil não seria uma das causa mais evidentes da exclusão aqui discutida e da falta de qualidade, que todos são consensuais em afirmar?
Por fim para não me prolongar muito nesse que pode a vir a ser o primeiro de uma série de textos sobre esse assunto tão superficialmente debatido em nosso país, quero deixar uma última pergunta das dezenas que tenho aos que defendem as cotas raciais nas universidades públicas desse país: Cotas para uma maioria? Nosso processo histórico é igual a dos países que adotaram as ações afirmativas? Adoção de critérios raciais em políticas públicas de caráter universal não é uma forma de segregar, os demais cidadãos que não se auto-afirmam ser do grupo étnico e racial contemplado? Como devemos interpretar o caput do art.5º de nossa Constituição Federal? Isso não fere o princípio de Isonomia? Acho que antes de aprovarmos uma lei tão polêmica como essa precisamos observar mais do que a ponta do Iceberg. A observação deve ate-se também aos desdobramentos gerados por algumas experiências já vivenciadas em instituições públicas de todo o país. Experiências negativas e positivas que devem ser ponderadas e melhor discutidas.
Meu nome é Fábio Reinaldo Domingues dos Santos, afro-descendente de pai e mãe, estudante oriundo de escola pública desde o ensino fundamental, professor, historiador formado pela Universidade Estadual de Maringá e acima de tudo isso, brasileiro nato com muito orgulho!